Conheça meu livro que conta a história de Ourém do Pará:

http://www.overmundo.com.br/banco/oureana-de-alem-mar-ourem-terra-de-moura

segunda-feira, 28 de março de 2011

O boi zebu e as formigas - Patativa do Assaré


O boi zebu e as formigas

Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.

Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.

Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.

Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.

Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.

Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.

Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.

Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.

As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.


Do livro Ispinho e Fulô – Patativa do Assaré

quarta-feira, 23 de março de 2011

ANEDOTAS GUAMAUARAS

A BATALHA DO SOUZA

O município de Capitão Poço foi desmembrado de Ourém, partindo nosso município no meio, em 1961. O município novo fora criado por bravos nordestinos, arigós, que com muito entrega desenvolveram rapidamente sua cidade e ainda com sotaque nordestino sacaneavam os nativos de Ourém e uma grande rivalidade nasceu ali.

Nessa época não havia ponte sobre o rio Guamá para ligar os dois municípios e a travessia era feita numa balsa, puxada na corda. Os confrontos no futebol eram os melhores momentos para exercitar essa rivalidade.

Certa vez, no campo do Souza, local onde hoje está a Escola Padre Antonio Vieira, jogavam Atlântico de Ourém e Comercial de Capitão Poço e os “cabras-da-peste” começaram um porradal e os ouremenses foram recuando com a idéia de surpreender os poçenses na hora da balsa(travessia).

Estava tudo combinado, o caminhão pau-de-arara embarca na balsa cheio de "cabeça chata"(como eram chamados os nordestinos) e na hora que está no meio do rio , foi dada a ordem para atirarem as pedras, e Ronaldo, aquele do cineminha, conseguiu arremessar uma pedra enorme no meio dos embarcados, já era noite e um grito de dor ecoou rio abaixo e depois de acenderem as lanternas, estava estatelado no chão da balsa, todo ensangüentado, o balseiro seu Geraldo, o único de Ourém naquela travessia...

O HÍMEN DA CESTA

Corriam os anos 1990 e a rivalidade entre as duas cidades diminuía, mas Capitão Poço sempre mais próspero, construiu um ginásio com quadras polivalentes. Para sua inauguração e para selar a paz, os poçenses convidam para inaugurar a quadra de basquete, o bom time de Ourém. O basquetebol sempre foi um esporte conhecido por placares que se aproximam de 100 pontos para cada lado, mas naquele dia solene, e depois de dezenas e dezenas de tentativas, e após todos os tempos e paradas necessárias, o placar não saiu do zero. Isso mesmo! Uma partida de basquete empatada em zero para Capitão Poço e zero para Ourém. Foi uma desolação total no novo ginásio e a razão só foi explicada quando alguém subiu num cavalete, e colocou a bola no aro e ao notar que não passava, descobriu-se que aquela bola era maior que as cestas das duas tabelas... A rivalidade não tem mais vencedor hehehehe...

Arlindo Matos(23/03/2011)

terça-feira, 22 de março de 2011





“UMA OUSADIA COM FINAL FELIZ”

– Texto de Arlindo Matos para a “Folha de Ourém” – edição de 08/07/1.995, baseado em entrevistas feita com Antonio Albério e Albino Evangelista de Abreu.

“Um sonho impossível!” – diziam os mais incrédulos. Ironicamente os mais abastados daquela Ourém dos anos trinta, infestada por doenças tropicais, e diziam mais: “Será uma armadilha para matar os fiéis católicos. Nós não contribuiremos com essa loucura”.

Em 1.937, a deteriorada e centenária igreja de Ourém, construída em taipa, dava sinais de ruir. Já estavam na paróquia os padres Barnabitas, aqui liderados por padre Ângelo Moretti, que se entregou de corpo e alma à causa social e evangélica em favor de seus “macacos” do pequeno lugarejo.

A reforma da antiga igreja com a construção de uma torre, era inviável, em função da estrutura precária da mesma. Com os Barnabitas estava irmão Antonio Albério, um polivalente italiano, que dominava técnicas interessantes para a época, como: compositor e regente de banda musical, dominador de química para fabrico de remédios e bebidas, e um exímio curioso das artes arquitetônicas dentre outras.

Acionado por padre Ângelo Moretti, irmão Antonio Albério idealizou uma nova igreja em estilo gótico, que uma vez desenhada no papel, provocou a reprovação imediata das pessoas mais influentes da localidade, tudo porque se tratava de uma construção ousada para os olhos dos nativos, que não se conformavam que tamanho salão, prescindisse de colunas de sustentação na parte central do futuro templo de orações. Seria uma tragédia já na sua inauguração. Irmão Antonio recebeu muitas críticas: “louco”; “esbanjador do dinheiro do povo”; “desvairado”. O influente Amadeu Tavares foi mais direto com irmão Antonio: “Eu não dou um tostão pra essa droga de igreja”. Mas, padre Ângelo não se intimidou, e depois de escolher o local, no terreno do antigo cemitério cabano, já sem uso, e em frente da antiga igreja, com irmão Antonio relacionou o material necessário para o início da construção: cimento, areia e seixo para o fabrico de blocos. Areia e seixo do próprio Município, o cimento trazido de Belém, em barris através da embarcação “Rio Moju”, e irmão Antonio com suas próprias mãos, confeccionou 11.725 blocos de concreto, numa média de 40 a 50 por dia.

Com o boicote dos mais influentes e sem contar com qualquer ajuda da prelazia, da prefeitura ou do governo do Estado. Padre Ângelo iniciou uma campanha direcionada aos colonos, quando após as missas chamava-os um a um, dizendo. “Vem cá “macaco”. Quanto tu tens aí? Sobrou alguma coisa da tua feira? Então passa pra cá”. E metendo literalmente a mão no bolso de seus “macacos”, padre Moretti conseguiu recursos para construir sua obra faraônica. Em vinte de setembro de mil novecentos e trinta e oito, aconteceu solenemente o lançamento da pedra fundamental. Irmão Antonio durante o erguimento da parte de alvenaria, contou com a ajuda inseparável do mestre Albino Evangelista de Abreu e colaboração de seu Raimundo “Chiquedigue” que fazia a argamassa, e seu Clementino Siqueira que fazia o transporte da massa para o ponto de serviço. Vale ressaltar que a própria comunidade ajudou no transporte do material, como seixo, areia e cimento para o local da obra, sendo que as pedras para o alicerce foram trazidas de canoa pelo rio Guamá até o porto da cidade, e de lá, aos domingos após as missas, eram transportadas pelos próprios fiéis ao seu destino final. Por tal participação da comunidade, irmão Antonio Albério, considera a imponente igreja, patrimônio do povo de Ourém.

Uma vez levantada a igreja, já no ponto de receber o telhado, uma chuva torrencial alagou a construção a tal ponto, que em seu interior chegou a conter três palmos d’água, temporal este que caiu no início de uma tenebrosa noite. No dia seguinte irmão Albério foi ao local com sua equipe para fazer o escoamento da água, mas deparou com a igreja já esvaziada. Então foi feita uma análise para verificar por onde toda aquela água havia se esvaído, e no alicerce foram encontradas diversas rachaduras, provocadas pela existência em seu subsolo de ossadas humanas do antigo cemitério supostamente cabano, rachaduras essas que receberam devidamente injeções de concreto. Porém, uma rachadura na base da torre, cuja brecha entrava uma folha de papel, mereceu maior atenção de irmão Albério, motivando-o a consultar em Belém, o engenheiro Cláudio Chaves, que o recomendou a cavar às proximidades dos quatro lados da base da torre, onde no lado esquerdo de quem está de frente para a igreja, foi descoberta uma bruta sepultura cabana, cuja ossada foi devidamente removida, sendo preenchido o local com concreto para depois se fazer duas espias de sustentação da torre, para que no futuro esta não viesse a ruir.

Alvenaria concluída, irmão Antonio Albério muda sua equipe para carpintaria e marcenaria, e sob sua orientação passam a trabalhar com ele, mestre Basílio e mestre Thomaz Rodrigues, que fizeram a cobertura e também portas, janelas e bancos, cabendo a mestre Basílio a feitura da escada em caracol, que leva até boa parte internamente da torre, no local destinado ao coro.

Assim foi construída essa belíssima igreja, que teve seu piso todo revestido em mosaico, com imagens de santo e sino removidos da antiga igreja. Quanto a torre, esta foi projetada para atingir a altura de vinte e dois metros. Irmão Albério não soube precisar se seu intento foi atingido, mas disse que quando estava afixando a cruz, no topo da torre, ouviu um grito que vinha de baixo. Observou, e reconheceu a figura do polêmico Amadeu Tavares, que bradou: “Irmão Albério! Trago aqui uma garrafa de champanhe pro senhor espatifar aí em cima, e aqui estão duas arrobas de tabaco para leiloar e repor tudo que eu deixei de contribuir. Agora dou minha mão à palmatória”.

...E em cinco de julho de mil novecentos e trinta e nove, com a presença de vários convidados, dentre eles os padres de Belém, Pe. Afonso e Pe. Dubois é inaugurada com muito orgulho, a Igreja Matriz de Ourém, que soberana se destacava em meio às casas humildes de um pequeno povoado, em que ruas eram caminhos e picadas, mas que hoje se adapta ainda com larga vantagem ao progresso em seu redor. Padre Ângelo Moretti, irmão Antonio Albério, seu Albino, Raimundo “Chiquedigue”, Clementino, mestre Thomaz, mestre Basílio, Amadeu Tavares e todos os “macacos” eram um só sorriso e Ourém passou a ser mais feliz.

domingo, 20 de março de 2011

O Diabo de Ourém


Alguém Já ouviu falar no Diabo de Ourém? Na verdade é uma história de 150 anos atrás. Tudo verdade e estudado:No quatriênio 1.857-1.860, foram empossados para governar Ourém, os vereadores: Antonio Fernandes Ribeiro, João Lopes da Cunha, Antonio Roiz Chaves, Joaquim José Lopes, José da Silva e Souza, Martinho dos Santos Martyres, e Clarindo Roiz da Silva, como suplente. Foi nesse período de governo que a personagem Santa Maria Martyr, incorporada pela escrava Martinha, pertencente ao casal de Antonio José de Souza. Segundo relatos da época, não passou de uma farsa, mas foi suficiente para desassossegar a vila e merecer intervenção da polícia da Capital.

Teria ela, a escrava Martinha, ou Santa Maria Martyr, a ajuda do aventureiro português conhecido por Elias, que desempenhava o papel do Diabo, sendo apelidado de Diabo de Ourém, nesse episódio teatral.
Depois de se instalar na igreja matriz, passou a predizer o futuro, a fazer “milagres”, receber espíritos, exigir preces, arrastada pelo “Diabo” influenciando o povo à cometer extravagâncias, dominando as autoridades, exumando mortos, controlando até a entrada e saída da vila.
Entre outras coisas do gênero, o “Diabo” convenceu o povo de que estava mesmo possuído, sofrendo opressões demoníacas e a “santa” mandou açoitar com varas de São Tomé, o cadáver de uma tal Maria do Nascimento, com a finalidade de sua alma chegar no Céu.
Foi preciso a intervenção enérgica do chefe de polícia, Dr. Olyntho José Meira, que motivado pela vinda da Capital, do padre Ismael Manito, prendendo a “santa” e chamando à ordem os fanáticos.
Consta ainda sobre esses fatos, estudos da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo (USP), que revelam a existência de processos de exorcismo incriminando o padre José Maria Fernandes, vigário de Ourém na época.
A história conta que o padre José Maria Fernandes, pretendia salvar a escrava Martinha, que estaria possuída pelo demônio. Insuflados pelo vigário, cerca de dois mil fiéis lotavam diariamente a paróquia de Ourém, para orarem na intenção de afastar o diabo da escrava. No processo, Martinha foi convocada à depor, e disse que “sentia o corpo queimar”, e que estava “sendo devorada pelo fogo”.
Habitantes de Ourém da época descreveram nos processos, que o diabo era “de cor preta e cheiro de enxofre” tendo “aspecto hediondo e se exprime em grego e latim”. E movidos pelo medo aos feitiços, grupos de fiéis chegaram a organizar procissões noturnas aos cemitérios, onde abriam os caixões e oravam pelas almas dos mortos. (Arlindo Matos-Oureana de Além-Mar, Ourém terra de Moura 02/07/2007)

Quintino, o "Gatilheiro"


Na carteira de identidade apresentada na justiça, constava o nome Armando Oliveira da Silva, mas era mesmo conhecido por Quintino, talvez seu verdadeiro nome, que completo seria Quintino da Silva Lira, que se auto-intitulou o “Gatilheiro”.

A saga de Quintino é digna de virar roteiro de cinema e jamais poderia deixar de ser citada e até merecer um capítulo especial na memória de um dos diversos municípios do nordeste paraense, onde reinou nas selvas desde 1981 até ser morto pela polícia militar do Estado Pará, na data de 04/01/1985.

Teria ele nascido no Município de Bragança, sendo filho de Domingos da Silva Lira e de dona Raimunda da Silva Lira, vivido a infância na localidade Jussaral, em Viseu e dentro ainda desse Município, passou pelas localidades de São José do Piriá e Baixinhos, às margens do rio Gurupi, onde se separou de sua primeira mulher e prima de nome Helena, com quem deixou três filhos, um menino e duas meninas, indo para Primavera, fixando-se depois na localidade de “Pau-de-Remo”, então Município de Ourém, local onde iniciou sua carreira de “justiceiro” marcando suas trilhas em densa mata, com um rastro de sangue que só acabou quando tombou morto a oito quilômetros da Vila Nova Piquiá, solo de Viseu, com um único tiro mortal no peito, em cima do coração, supostamente de fuzil.

Do personagem que viveu ao lado de seu bando, inicialmente composto por “Coruja”, “Mão de Sola”, “Portinho” e “Cabralzinho” e que chegou a ter sob seu comando mais de quarenta homens, e se fosse preciso, segundo o próprio, reuniria até trezentos simpatizantes pela sua causa, podemos dizer que lembrava um pouco “Lampião” e seu cangaço pela postura exibicionista e armamento à base de rifles-44, cartucheiras e revólveres de diversos calibres. Era vaidoso em seu visual, cuidando bem do bigode e unhas, vestindo-se de acordo com a ocasião, camisas de tecido com botões e botas de vaqueiros ou camisetas esportivas de algodão com calças jeans e sandálias havayanas, sempre com um inseparável chapéu de massa escuro com abas e cordão que às vezes prendia ao queixo. Quintino que entre outras ousadias chegou até a distribuir terras para os colonos, que eram medidas pelo topógrafo do bando chamado Silvestre, morto em Capitão Poço, perdeu também sua companheira de nome Maria Antonia da Silva e outros comparsas em vários confrontos com a polícia, sendo “Cabralzinho” o primeiro a tombar morto no início dos conflitos. Da primeira formação de seu bando, “Mão de Sola” ainda estava com ele no final e “Bodão”, que entrou depois era outro de sua confiança que sempre lhe acompanhava nos momentos difíceis. Quintino matou ou mandou matar muitos, principalmente fazendeiros e policiais em missões. Sempre se gabava que tinha melhor índole que o lendário “Lampião”, pois jamais matava criança ou colono: “Só mato gente rica”, sentenciava.

No dia de sua morte, estava desacompanhado de seus capangas tomando um mingau na casa de seu Florismar, velho amigo que era conhecido na Vila Nova Piquiá, por seu “Flor”. “Mão de Sola” e “Bodão” ficaram na vila. Ainda faltavam alguns minutos para as dezenove horas daquela chuvosa noite de 04/01/1985, quando avisado por um policial que já estava no interior da casa de que estava cercado pela polícia, em ato-contínuo teria se levantado do tamborete em que se encontrava sentado, pegado seu revólver em cima de um guarda-roupa que estava atrás de si na cozinha e dito suas últimas palavras aos amigos da casa: “não sai ninguém, que eu vou morrer sozinho”. Saiu pela porta dos fundos e então se ouviu mais de duzentos tiros por aproximadamente cinco minutos. Só um o atingiu, aquele tiro, supostamente de fuzil, que explodiu seu coração.

Quintino virou mito e em crônica contaremos agora o resumo de seu reinado de “Gatilheiro”:

Quintino da Silva Lira ou Armando Oliveira da Silva eram o mesmo homem e até o início dos anos 1980 não passava de um simples agricultor na localidade de Pau-de-Remo, então Município de Ourém. Porém, a situação imposta pelos sistemas de governo apresentadas no Brasil, com injustiças sociais aflorando por toda parte, fez aquele pacato colono tornar-se um dos mais temidos fora-da-lei do norte do país.

As injustiças na distribuição de terras geraram conflitos ao ponto de Quintino perder companheiros de forma covarde, motivando-o a arregaçar as mangas e tomar uma brava atitude de liderar um grupo de colonos rebelados contra o injusto sistema, indo literalmente a luta com armas nas mãos.

Quintino que foi comparado à Robin Hood, Zumbi, Antonio Conselheiro e “Lampião” desta nova era, quis evitar tais comparações, se auto-intitulando de “Gatilheiro”, uma nova expressão para um novo herói do campo.

Ele na verdade teria matado, revidado, roubado e chantageado, porém não como sua fama mostrou. Sempre houve exageros, e também é verdade que se criou o mito de que ele teria parte com o diabo, usando técnicas que lhe permitiam desaparecer aos olhos de seus perseguidores, como se transformando num toco, cão ou outro animal qualquer. Na verdade, Quintino não virava nada e sim sabia se virar nas adversidades com muita sabedoria, mostrando-se um excelente líder estrategista. Era muito bem informado de todos os passos da polícia e de qualquer outro perseguidor.

O que ele fez podia até não estar certo, porém mesmo inconscientemente, Quintino conseguiu coisas que nossos governos e nossa justiça nunca ousariam solucionar, como por exemplo, a reforma agrária.

Mesmo procurado nos quatro cantos pelas tropas do coronel PM Cleto, comandante das tropas na região, que se embrenharam nas matas tendo a frente o capitão PM Cordovil, época em que era governador do Estado do Pará, Jader Fontenelle Barbalho, Quintino desapropriou terras, assentou “sem-terras”, resolveu conflitos como se fora um Juiz de Paz e até casamentos realizou, causando temor e admiração ao mesmo tempo.

Quem o conheceu na intimidade impressionou-se com aquele mortal, dotado de uma obstinação invejável, em busca de um ideal comum com sua gente: a justiça propriamente dita.

Foram aproximadamente quatro anos de reinado em mata fechada, período-referência em que muitas autoridades nada fazem para atenuar o sofrimento do povo do campo, e mesmo assim relacionava-se com as mesmas, com fazendeiros e comerciantes na medida em que a regra era ditada. Quem veio para conversar, teve conversa. Quem foi para guerrear, teve guerra. Quem se chegou para traí-lo, conseguiu, pois o “Gatilheiro” era também um poço de ingenuidade, e tombou para sempre no ritmo do pipocar das armas da polícia militar.

Quintino foi e sempre será o que as pessoas quiserem dele achar, pois de tudo tinha um pouco, e pode ter sido um herói, bandoleiro, justiceiro, cangaceiro, gatilheiro, Robin Hood, Zumbi, Antonio Conselheiro, “Lampião”, um toco ou um cão, o diabo... Dependendo do ângulo ou dimensão que se queira dar ao seu papel na história, porém uma coisa deve ser dita sem pestanejar: Quintino foi uma das figuras mais importante neste final de século e milênio, trazendo para discussão assuntos e temas outrora esquecidos ou engavetados pelas autoridades. Descansa em paz, “Gatilheiro! (crônica de Arlindo Matos, escrita em setembro de 1997 para o jornal “Informativo Popular” de Capitão Poço, e que por tanto sucesso foi repetida no jornal “Folha do Gurupi”, de Viseu, em novembro do mesmo ano).

(Arlindo Matos – Oureana de Além-mar, Ourém terra de Moura-02/07/2007)

sábado, 19 de março de 2011

SOCIEDADE ALTERNATIVA


Um dia o maluco-beleza Raul Seixas, disse: “Viva a Sociedade Alternativa”. A liberdade pregada pelo polêmico roqueiro pode ter sido entendida como anarquia, mas para quem se debruça sobre o tema e estuda o alternativo como filosofia de vida ou de arte, acaba compreendendo melhor Eduardo Angelin, Antonio Conselheiro, Chico Mendes e Quintino, todos pregadores de alternativas interessantes e viáveis para o mundo.

Hoje no mundo, a força do alternativo é patente e está sendo usada para boas e más causas. Como ignorar a pirataria? Que tenta de todas as maneiras burlar a lei dos homens para nos dar uma lição: A carga tributária é absurda, e já não sabemos mais qual é o certo. Se consumir, por exemplo, a perene criação artística que permeia em CDs e DVDs clandestinos; ou se tentamos prestigiar o autor pagando caro um produto, cuja arrecadação, duvidamos que chegue com justiça às suas mãos. A rapinagem institucional é outro motivo de busca do alternativo. Afinal, nos perguntamos: Qual colesterol devemos ter? O bom? Ou o mal? E qual é o mal? E qual é o bem? Então o alternativo se apresenta para aumentar nossas opções.

É... bebida é água... comida é pasto... você tem sede de quê?... você tem fome de quê?... acho que tou querendo um norte, talvez pegar um Ita no norte, tomar banho de chapéu, discutir Carlos Gardel, esperar papai Noel... então vá. Faz o que tu queres pois é tudo da lei... da lei.

Assim... pelo sim e pelo não, temos que fazer alguma coisa. Dar vazão a nossa criação. Experimentar o alternativo e chutar o modismo como regra obrigatória.

A oportunidade haverá de surgir, principalmente para a juventude que caminha a esmo. Hão de aparecer espaços pra você, idealista, visionário, operário da cultura.

Precisamos romper os vidros da redoma que nos impede de botar os pés nos palácios, nos castelos suntuosos dos meus sonhos, que não são sonhos vãos, quimera ou utopia. Quem dera fora a realidade de poder fluir como o sangue de minhas veias e brilhar saltitante sem o visgo da teia.

Raulzito! Acho que você sempre teve razão... a ficha caiu!

(Arlindo Matos – 17/10/2007)