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quarta-feira, 8 de junho de 2011

A MODERNAGEM DE MESTRE CARDOSO

As várias facetas de José Ribamar Cardoso, o “Mestre Cardoso”, amo do boi “Ouro Fino”, do município de Ourém, Estado do Pará, estão sendo agora diagnosticadas como modernas. O moderno, tido como da moda, aqui, na verdade é um brasileiro, nascido em Parnaíba-Pi, negro, de pouca instrução escolar, que aos 78 anos, ainda resolve seus negócios montando cavalo, amarrando literalmente seu animal nas muretas de repartições públicas ou não, fazendo até hoje viagens montadas, num raio de cinqüenta quilômetros sem muito se queixar ou titubear para decidir suas ações.

E onde está o moderno? Onde está sua vanguarda tão propalada? Ora, está na sua cabeça, está na sua alma, está na sua essência. Cardoso não bebe e nunca bebeu álcool ou até refrigerantes, mas carrega um aparelho celular e sabe utilizar o controle remoto de sua antena parabólica para ver na televisão os acontecimentos do mundo, prática que já vem desde os tempos áureos do rádio, outro companheiro dileto, afinal ele é “antenado” mesmo.

Um misto de vaqueiro com lavrador, Cardoso verseja ou “enversa” compulsivamente como um cronista que precisa entregar seu texto antes de fechar a redação. Suas composições em toadas “ocupam” temas do cotidiano mundial e podem falar da sereia encantada como também da morte de Ozama Bin Laden. O modernismo desse mestre também se debruça em pesquisas sobre o passado como também o advento da internet e suas utilidades. Cetra vez encerrou uma toada assim:

VOU FAZER UM INTERVALO

TODOS QUEIRAM DESCULPAR

EU CANTEI ESTA TOADA

PORQUE OUVI CONVERSAR

OUVIDO É PARA OUVIR

BOCA É PARA FALAR

O QUE ME CONTAM DE DIA

DE NOITE EU VOU ENVERSAR”

E outra:

Eu cantei essa toada

Aqui para o pessoal

Porque eu tenho memória

E tenho meu ideal

Compositei em toada

Conforme passa o jornal”.

No primeiro verso(As origens de Ourém) ele demonstra que pesquisou a história de Ourém nas conversas de rua e as traduziu para contar algo que havia acontecido há quase três séculos; no outro verso(Não sou norte-americano) ele faz questão de dizer que assistiu tudo no noticiário da TV.

Mestre Cardoso também é curador e recebe em sua casa, pessoas que vem a sua procura para “rezar” coisas até inusitadas, como o bebê doente, a espinha enganchada na garganta, e até missões de curar o gado com porções ou até para localizar aquela rês desgarrada, que se “amoitou”. Cardoso se orgulha em dizer que quando não tem o animal para rezar de corpo presente, o faz somente pelo rastro deixado no solo, ou na direção apontada pelo dono.

O “Lavrador de Toadas”(nome do filme que conta sua vida) domina seu batalhão com uma voz potente de nordestino, pregando sempre a preservação da natureza em meio as toadas desse folguedo, e sempre inovando alguma coisa sem descaracterizar o tradicional.

Aquele matuto em potencial surpreende a todos quando abordado na rua, ou numa entrevista de TV ou rádio ao vivo, ou mesmo se apresentando em teatros e outros espaços públicos com sua desenvoltura. Quando lhe escasseia o vocabulário, cria palavras com engenhosidade e dá sempre vazão a sua comunicação que consegue atingir desde as crianças até seus contemporâneos.

Quando fico observando o velho Cardoso e sua destreza como saber viajar de carro, cavalo ou barco, sem embaraço algum dos anciões, passo a imaginá-lo também desprovido na sua infância e juventude se saindo muito bem nas adversidades da vida miserável. Tenho a impressão que se um dia, em viagem de avião, que pousado em mata fechada, Cardoso, sem rádio, GPS, estetoscópio, ou metralhadora, seria o líder da tripulação para alcançar a saída, afinal ele o moderno que se busca ser, harmonizando o atual ao primitivo.

Acho que foi essa sacada que fez o músico e pesquisador musical Fábio Cavalcante captar, para emprestar de mestre Cardoso sua visão de mundo e sublinhar no CD “Do meio do Século XX para o século XXI” o tema modernoso de José Ribamar Cardoso, um verdadeiro Zé nesse rio-mar caudaloso das rimas e facetas, agora todo eletrônico, sem instrumentos de percussão para vaticinar: “Mataram Saddam Hussein e a guerra continua...”

“Meu filho! O rio Guamá, desmataram as cabeceiras, não tem mais as cachoeiras, e quem faz isso é o homem...”

ARLINDO MATOS – 09/06/2011