Conheça meu livro que conta a história de Ourém do Pará:

http://www.overmundo.com.br/banco/oureana-de-alem-mar-ourem-terra-de-moura

terça-feira, 22 de março de 2011





“UMA OUSADIA COM FINAL FELIZ”

– Texto de Arlindo Matos para a “Folha de Ourém” – edição de 08/07/1.995, baseado em entrevistas feita com Antonio Albério e Albino Evangelista de Abreu.

“Um sonho impossível!” – diziam os mais incrédulos. Ironicamente os mais abastados daquela Ourém dos anos trinta, infestada por doenças tropicais, e diziam mais: “Será uma armadilha para matar os fiéis católicos. Nós não contribuiremos com essa loucura”.

Em 1.937, a deteriorada e centenária igreja de Ourém, construída em taipa, dava sinais de ruir. Já estavam na paróquia os padres Barnabitas, aqui liderados por padre Ângelo Moretti, que se entregou de corpo e alma à causa social e evangélica em favor de seus “macacos” do pequeno lugarejo.

A reforma da antiga igreja com a construção de uma torre, era inviável, em função da estrutura precária da mesma. Com os Barnabitas estava irmão Antonio Albério, um polivalente italiano, que dominava técnicas interessantes para a época, como: compositor e regente de banda musical, dominador de química para fabrico de remédios e bebidas, e um exímio curioso das artes arquitetônicas dentre outras.

Acionado por padre Ângelo Moretti, irmão Antonio Albério idealizou uma nova igreja em estilo gótico, que uma vez desenhada no papel, provocou a reprovação imediata das pessoas mais influentes da localidade, tudo porque se tratava de uma construção ousada para os olhos dos nativos, que não se conformavam que tamanho salão, prescindisse de colunas de sustentação na parte central do futuro templo de orações. Seria uma tragédia já na sua inauguração. Irmão Antonio recebeu muitas críticas: “louco”; “esbanjador do dinheiro do povo”; “desvairado”. O influente Amadeu Tavares foi mais direto com irmão Antonio: “Eu não dou um tostão pra essa droga de igreja”. Mas, padre Ângelo não se intimidou, e depois de escolher o local, no terreno do antigo cemitério cabano, já sem uso, e em frente da antiga igreja, com irmão Antonio relacionou o material necessário para o início da construção: cimento, areia e seixo para o fabrico de blocos. Areia e seixo do próprio Município, o cimento trazido de Belém, em barris através da embarcação “Rio Moju”, e irmão Antonio com suas próprias mãos, confeccionou 11.725 blocos de concreto, numa média de 40 a 50 por dia.

Com o boicote dos mais influentes e sem contar com qualquer ajuda da prelazia, da prefeitura ou do governo do Estado. Padre Ângelo iniciou uma campanha direcionada aos colonos, quando após as missas chamava-os um a um, dizendo. “Vem cá “macaco”. Quanto tu tens aí? Sobrou alguma coisa da tua feira? Então passa pra cá”. E metendo literalmente a mão no bolso de seus “macacos”, padre Moretti conseguiu recursos para construir sua obra faraônica. Em vinte de setembro de mil novecentos e trinta e oito, aconteceu solenemente o lançamento da pedra fundamental. Irmão Antonio durante o erguimento da parte de alvenaria, contou com a ajuda inseparável do mestre Albino Evangelista de Abreu e colaboração de seu Raimundo “Chiquedigue” que fazia a argamassa, e seu Clementino Siqueira que fazia o transporte da massa para o ponto de serviço. Vale ressaltar que a própria comunidade ajudou no transporte do material, como seixo, areia e cimento para o local da obra, sendo que as pedras para o alicerce foram trazidas de canoa pelo rio Guamá até o porto da cidade, e de lá, aos domingos após as missas, eram transportadas pelos próprios fiéis ao seu destino final. Por tal participação da comunidade, irmão Antonio Albério, considera a imponente igreja, patrimônio do povo de Ourém.

Uma vez levantada a igreja, já no ponto de receber o telhado, uma chuva torrencial alagou a construção a tal ponto, que em seu interior chegou a conter três palmos d’água, temporal este que caiu no início de uma tenebrosa noite. No dia seguinte irmão Albério foi ao local com sua equipe para fazer o escoamento da água, mas deparou com a igreja já esvaziada. Então foi feita uma análise para verificar por onde toda aquela água havia se esvaído, e no alicerce foram encontradas diversas rachaduras, provocadas pela existência em seu subsolo de ossadas humanas do antigo cemitério supostamente cabano, rachaduras essas que receberam devidamente injeções de concreto. Porém, uma rachadura na base da torre, cuja brecha entrava uma folha de papel, mereceu maior atenção de irmão Albério, motivando-o a consultar em Belém, o engenheiro Cláudio Chaves, que o recomendou a cavar às proximidades dos quatro lados da base da torre, onde no lado esquerdo de quem está de frente para a igreja, foi descoberta uma bruta sepultura cabana, cuja ossada foi devidamente removida, sendo preenchido o local com concreto para depois se fazer duas espias de sustentação da torre, para que no futuro esta não viesse a ruir.

Alvenaria concluída, irmão Antonio Albério muda sua equipe para carpintaria e marcenaria, e sob sua orientação passam a trabalhar com ele, mestre Basílio e mestre Thomaz Rodrigues, que fizeram a cobertura e também portas, janelas e bancos, cabendo a mestre Basílio a feitura da escada em caracol, que leva até boa parte internamente da torre, no local destinado ao coro.

Assim foi construída essa belíssima igreja, que teve seu piso todo revestido em mosaico, com imagens de santo e sino removidos da antiga igreja. Quanto a torre, esta foi projetada para atingir a altura de vinte e dois metros. Irmão Albério não soube precisar se seu intento foi atingido, mas disse que quando estava afixando a cruz, no topo da torre, ouviu um grito que vinha de baixo. Observou, e reconheceu a figura do polêmico Amadeu Tavares, que bradou: “Irmão Albério! Trago aqui uma garrafa de champanhe pro senhor espatifar aí em cima, e aqui estão duas arrobas de tabaco para leiloar e repor tudo que eu deixei de contribuir. Agora dou minha mão à palmatória”.

...E em cinco de julho de mil novecentos e trinta e nove, com a presença de vários convidados, dentre eles os padres de Belém, Pe. Afonso e Pe. Dubois é inaugurada com muito orgulho, a Igreja Matriz de Ourém, que soberana se destacava em meio às casas humildes de um pequeno povoado, em que ruas eram caminhos e picadas, mas que hoje se adapta ainda com larga vantagem ao progresso em seu redor. Padre Ângelo Moretti, irmão Antonio Albério, seu Albino, Raimundo “Chiquedigue”, Clementino, mestre Thomaz, mestre Basílio, Amadeu Tavares e todos os “macacos” eram um só sorriso e Ourém passou a ser mais feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário